sexta-feira, 23 de outubro de 2009




EU NÃO

Eu não canto
ouço os prantos silenciosos de desejos escondidos
que ardem
e queimam a pele manchada de sangue

Eu não durmo de noite
respiro as nuvens do fim da madrugada
pra sonhar e flutuar em sua loucura
ensaiada e fadada ao fracasso

Eu não amo
dou meu corpo a muitos que me devoram
que me enojam
que me saciam

Eu não vivo
eu vasculho os dias à procura de uma veia
e de presentes com cheiro de sangue
e ameaças de morte

quarta-feira, 21 de outubro de 2009

A MENTE E O PROBLEMA

Moravam juntos há três anos, e era noite de comemorar, um ritual que fazia todos os anos. Ela vestiu-se como de costume, sempre de preto e salto alto, cabelos despretensiosamente soltos e ondulados, vermelhos como sangue. Boca rosada e brilhante, olhos pintados de preto e um perfume que era só dela. Ele adorava. Ela sabia disso e não o poupava dessa provocação. Nem de outras. Fazia tudo por ele e para ele. Seu amor era visível e desesperado. Mas Marcelo parecia estar mais preocupado com o prazo para entregar um novo livro, e continuava enfiado no escritório escrevendo sem parar. De vez em quando Melissa chegava até a porta e o olhava com ansiedade, mas ele a ignorava.

Vinte e duas horas, vinte e três. E nada dele demonstrar que ia finalmente se arrumar para curtirem a noite. Ela demonstrava sinais de desânimo e desabou no sofá, sem os sapatos. Chamava por ele, que só respondia que já estava quase terminando. Perguntava a cada dez minutos, e a resposta era sempre a mesma. Melissa pegou uma garrafa de vinho tinto, despiu-se e foi até ele. Ele não ia resistir! Mas resistiu. Foi frio. E até mesmo ácido. Disse que tinha compromissos, e que o dinheiro que ganha paga aquele vinho e tudo em volta deles. Ela tinha que entender. E parar com essa bobagem de datas.

Ela saiu do escritório aos prantos, mas Marcelo parecia pouco se importar. Depois de alguns minutos ele foi ver onde ela estava. A imagem o fez permanecer por algum tempo de pé vendo-a se banhar com o vinho na varanda do apartamento. Nua, com a pele molhada e ligeiramente rosada pelo líquido sem se importar se algum vizinho a via. Nesse instante Marcelo a quis, mesmo com trabalho a fazer. Mesmo estando numa varanda, com pessoas podendo vê-los. Não importava, ele a queria aquele momento! Uma chuva fina e fria começou a cair suavemente enquanto eles transavam, o chão molhado de vinho e água fria acariciava seus corpos.

Nas noites seguintes ele a ignorou totalmente. Ela fingia entender seu compromisso, mas no fundo estava magoada por tanta indiferença. Era sempre assim, ele sempre estava ocupado com um novo trabalho, e ela, como sempre ficava em último plano. Melissa fez uma viagem no tempo e constatou que sempre foi assim, desde quando se conheceram. E provavelmente isso nunca mudaria. Ela sempre fez tudo acontecer entre eles. Desde o início. Isso a deixou profundamente infeliz. Constatar isso a fez pensar em como não estar tão obcecada por Marcelo. Pensou em ter um filho, e em outras coisas que a fizesse se desprender um pouco dele. Mas desistiu. Nada ia adiantar. Ela só queria tê-lo mais próximo. Ele era tudo que ela queria, E queria inteiro, completo.

Acordou e viu que ele dormia ao seu lado. Sem blusa, usando apenas uma cueca cheia de caveiras. Ela adorava aquela. Melissa sempre pedia que ele a usasse. Às vezes ele a atendia. Ficou olhando o seu rosto, que parecia tão relaxado naquele momento. Ouvia sua respiração tranquila. Ficou imaginando se ele estaria sonhando. Será que ela estava nele? Era muito cedo e ainda não havia amanhecido. Ela o cobriu e beijou os lábios dele carinhosamente. Foi à varanda respirar o ar das primeiras horas. E foi então que descobriu como teria Marcelo inteiro pra ela. Sem compromissos, sem datas, sem prazos. Sem pressão. Mas sua idéia cheirava a sangue. E ela hesitou por um instante.

As oito ele estava tomando café, silencioso como de costume, enquanto ela comia suas torradas e o olhava com olhos sombrios. Foi ao escritório e se trancou lá. Provavelmente Melissa só o viria depois das quatro horas, quando finalmente ele sentia fome. Ela pegou o telefone e fez a ligação que mudaria sua vida. Estava tudo certo, até o fim do dia ela teria Marcelo só pra ela. Ia doer, mas tinha que ser assim. Passadas duas horas, ela começou a se sentir estranha, e viu que precisava repensar. Será que ia adiantar? E se fosse pior, se ele se afastasse ainda mais dela? Dúvidas de todas as cores invadiram a cabeça dela, que, perturbada, tinha que decidir se ia adiante com o plano.

Ela passou a caminhar de um lado pra outro da casa, tomada por uma angústia e desespero que chamou a atenção de Marcelo quando ela esbarrou numa mesinha de canto. Ele foi até ela e a encontrou desfigurada, pálida, com as mãos frias. Disse a ele que era apenas TPM e que estava tudo bem. Ele voltou ao escritório, sem se desviar mais.

Passaram-se as horas, o fim do dia estava chegando, e ela precisava decidir se queria continuar ou não com o plano. Pegou o telefone, as mãos tremiam, mas enfim conseguiu fazer a ligação:

_ Oi, sou eu. Eu pensei melhor e... Não faça mais isso, eu não quero mais que você faça isso! Eu o amo e posso continuar me alimentando do pouco tempo que ele tem pra mim. Não quero mais que você faça isso!Tive um dia infernal até chegar a essa conclusão! Te pago, mas suspenda a ação, por favor!

Desligou o telefone, jogando-o no chão. Agachou-se e chorou com as mãos no rosto. Sentia-se aliviada, afinal. Teria Marcelo do jeito que sempre teve. Porém sua breve alegria foi interrompida. Ele estava bem atrás dela e ouviu tudo! Ela levantou-se de sobressalto, assustada, enxugando as lágrimas que começaram a jorrar em seu rosto.

Marcelo estava pasme, olhando-a com perplexidade. Perguntou-lhe o que ela pretendia, o que significava aquela ligação. Melissa sentou-se, encruzou as pernas e disse que não era nada e que já estava resolvido. Disse que o amava e que não se importava se ele não tinha tempo pra ela. Ele permaneceu de pé e agora se colocou em sua frente. Sua face estava transformada. Queria saber o que ela havia planejado. Exigia! Segurou-a pelo cabelo com violência, sacudindo sua cabeça pra frente e pra trás.

_O que você ia fazer? Mandou alguém me matar? Foi isso?

Melissa apenas chorava e dizia que o amava. Ele a soltou, respirou fundo, sentando-se. Ela ficou caída no chão, mas levantando-se em seguida. Sentou-se ao seu lado, arrumou os cabelos e olhando pra ele disse:

_ Eu ia mandar um médico amigo meu arrancar suas mãos... Assim você não ia mais escrever e teria todo tempo do mundo pra mim. Mas desisti, por que amo você. E te quero de qualquer jeito. Foi isso que fiz.

Marcelo a olhou e ela viu o horror dentro dos olhos dele. Não imaginava que ela teve essa idéia. Levantou-se e se trancou no escritório.

Ela ficou lá, sentada, sem saber o que ela faria em seguida. Será que ia deixá-la? Será que ia bater nela até que desmaiasse? Ela não sabia...


Nos dias e noite seguintes ele permaneceu trancado, escrevendo. Agora ele trancava a porta com chave, e dormia lá mesmo. Melissa virou um fantasma naquele apartamento. Ele ouvia seus passos, sentia seu perfume, e a desejava às vezes.

quarta-feira, 14 de outubro de 2009




VOLTE A DORMIR


Envolvo-me nas sombras quentes dos seus braços
Escutando o silêncio gritante da noite
Em meus sonhos você dorme
Nu
Ao meu lado
Sem roupas e sem palavras
Apenas seus olhos e o seu sono
Acordo lentamente e ouço sua respiração
você está ao meu lado
Sinto o calor de sua pele
A penumbra o deixa ainda mais belo
Você está nu ao meu lado
Suas mãos encontram meu corpo frio
Não penso em sonhos
Nem em sombras
Ou qualquer outra coisa
Eu só quero estar ao seu lado
Dormir com você
Todas as noites
Sentindo sua nudez roçar a minha
E os sons do desejo em todo quarto
Quero acordar
E voltar a dormir com você...