quarta-feira, 13 de outubro de 2010

FEBRE



(Leia ouvindo  "Mysterons" do Portishead)



Antes de me encontrar assim, praticamente não-viva, posso afirmar de vivi intensamente. Provei de muitos prazeres. Provei muitos corpos. Muitos sabores. Homens, mulheres, quem atravessasse em meu caminho. O doce sabor da promiscuidade estava em meus lábios. E em cada gesto meu. Todos os dias. E eu fui feliz por muito tempo, enquanto não havia sentimentos...

Meu erro talvez tenha sido atender os chamados deles. Ele era um homem forte, sem muito tempo pra si próprio. E muito ardente, quando estava comigo. Passávamos algum tempo em sua cama, onde ele me despia com violência e tomava meu corpo como se fosse seu alimento. Ele me chamava, eu atendia. Com o passar dos dias, tornei-me escrava de seus desejos. E dos meus. Eu precisava voltar pra sua cama, cada vez mais.

Numa noite incomum, me perguntou se eu queria ser sua namorada. Aceitei. Quis também que eu morasse ali. Eu quis. Por que só queria estar com ele. Tê-lo em meu corpo tornou-se um vício. A cada orgasmo, eu queria mais.

Numa outra noite incomum, ele disse que me amava... E eu fui tomada por um silêncio inexplicável. Passei horas fazendo amor com ele, e finalmente entendi que também o amava. Algo novo, inédito pra mim, que só conhecia o desejo. Nossos dias e noites eram só nossos...

Percebi que não estava feliz, nem triste. Mas sufocada pelo amor dele. E pelo meu. Queria respirar. Sentir outros ares... Sentia saudades de minha promiscuidade póstuma. Então eu a encontrei. Eu a conheci nesse instante febril. No meio de livros e de milhares de palavras.

Ela era doce e meiga como eu. E selvagem como nunca fui. Estar com ela era ganhar hematomas e voltar a ser como antes. Eu gostava e sempre queria mais. E os dias foram meu inimigo. Estava viciada por aquela mulher. E quando voltava pra casa, ele me aguardava. Faminto, e com os olhos cheios de amor, que ardia em minha pele. Seu abraço aprisionava minha alma. Do qual eu não conseguia me libertar...

Numa tarde comum, eu revelei que tinha alguém. Ela não se importou. Mas ele jamais poderia saber. Ele se importaria. E eu também. Mantê-los em segredo estava me exaurindo. Eu não tinha mais paz. Não queria perdê-los. Mas não podia mais estar com eles. Eu tinha que escolher...

Passei a não vê-la mais. Os dias ficaram cinza. Então eu quis as cores de volta, e o deixei. Estar novamente com ela não me devolveu as cores. Eu percebi que amava os dois... Como pude me escravizar desse jeito?

Fugi deles.Pra tentar me encontrar. Talvez assim consiga respirar. Sentir meu coração batendo novamente.
Um lugar distante de tudo. Uma nova vida. E desejos escondidos...Preciso morrer algumas vezes pra voltar a vida... A febre arde... Sinto-me doente... Preciso morrer quantas vezes forem necessárias.

Preciso voltar a ser como antes.Durmo e acordo.Continua tudo escuro. O vento continuava uivante. Não há vida além da minha janela. Só sobras de sonhos. Desejos que se escondem no meu medo. As lembranças me aprisionam. Eles me visitam em sonhos, e em instantes febris.

Vejo os rostos dos dois. Ouço as vozes, sinto o cheiro de seus corpos. Sinto suas mãos me tocando.Tomando meu corpo e minha vontade própria.Um pesadelo de onde não consigo despertar. Ouço sussurros, gemidos orgásticos e o vento na janela.Os sons do fim. Ainda estou respirando... Estou delirando...

15 comentários:

  1. A doce promiscuidade. Adorei como você tratou o tema, um pouco corrido talvez, mas você atiça o leitor, adorei.

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  2. Oi Leo,

    Tadinha da personagem...Ela só se envolveu demais, coitada!srrs!

    Esse conto estava extenso demais,eu dei uma enxugada nele,acho que por isso ficou essa impressão de estar corrido(isso sempre acontece comigo!).Nos próximos vou tentar não deixer ficar assim! Obrigada pela observação!

    Obrigada pela visita, adoro você aqui!
    Beijos de Agnes...

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  3. Link pra música: http://www.youtube.com/watch?v=w2fBwsB6px8

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  4. Muita sinestesia aqui. Um intenso e inteligente uso das palavras. Abraços!

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  5. Obrigada Reiffer!

    Seu comentário traduz mesmo o que é o conto!
    Beijos de Agnes...

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  6. Excelente, mocinha... Voltou com a corda toda. Parabéns!

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  7. Enebriante!Dá prá sentir na pele, adorei!
    Parabéns,
    bj

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  8. ¬

    Conto bastante interessante, involvente e até reflexivo, Agnes.

    Confesso-lhe, apesar de se tratar de um história ficcional - a meu ver - é bastante comum me deparar em situações parecidas que exija a escolha...

    Show de bola.
    Bjos!

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  9. Carmo e Manuel, obrigada pelos comentários!Fico com uma sensação maravilhosa quando meus leitores sentem meus textos!Como disse Carmo, é inebriante!

    É Manuel, escolhas...Temos que fazê-las!Tento tratar também aqui de assuntos que realmente possam acontecer com qualquer um.

    Beijos de Agnes pra vocês...

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  10. Olá Agnes...

    Exelente o conto. Eu o achei inteligentíssimo, e elegante!
    parabéns!

    beijO

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  11. Obrigada Nine! Fico super lisonjeada com seu comentário!

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  12. Seria a ideal promisquidade que todos deveriam ter, sem lixo ou "sujo", mas poético, "doente", desejável! Adorei!!!

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  13. Agnes,acho que já disse aqui que seus contos me fazem viajar...sempre tão bem escritos,e consigo sentir sempre sua energia neles!É como se você estivesse aqui do meu lado me contando tudo isso!
    Parabéns!

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  14. Marco e Renato obrigada pelos comentários!

    Vocês captam com mais força por conviverem comigo, talvez.Isso é ótimo!Bom saber que meu texto agradou os dois!

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